CONCEITOS PRINCIPAIS

Agronegócio

O agronegócio é um tipo de empresa
que produz alimentos ou produtos agrí-
colas (agro-combustíveis, têxteis, etc.)
para obter lucro, visando sobretudo os
mercados internacionais. No contexto
deste manual, referimo-nos àquelas
cujos produtos resultam essencialmente
da agricultura moderna, mecaniza-
da e industrial praticada em grandes
plantações com alta dependência de
fertilizantes e pesticidas sintéticos, são
processados industrialmente e distri-
buídos a nível global.

Mudanças climáticas

As mudanças climáticas são alterações
a longo prazo no clima da Terra pro-
vocadas pela actividade humana, que
tendem a gerar temperaturas médias
globais mais elevadas e padrões climá-
ticos cada vez mais imprevisíveis.

COP climática

COP significa Conferência das Partes, e
a cimeira deve contar com a presença
dos países que assinaram a Conven-
ção-Quadro das Nações Unidas sobre
Alterações Climáticas (CQNUAC).

Justiça Climática

A Justiça Climática exige que a luta
contra as mudanças climáticas se
torne muito mais do que um esforço
técnico-científico. Como resultado
e sintoma da disfunção do sistema
actual, as mudanças climáticas só
poderão ser verdadeiramente aborda-
das com uma mudança de sistema. A
justiça climática é uma luta para trans-
formar o sistema económico global e a
favor da distribuição justa dos recur-
sos. É uma luta contra as estruturas do
poder que dão autoridade a uma elite
empresarial que, apesar de ser res-
ponsável pela crise climática, é quem
tem o poder de a resolver.

COMPENSAÇÃO DE CARBONO

A acção ou o processo de compensar as
emissões de dióxido de carbono pro-
duzidas pelas actividades industriais
ou humanas, através da participação
em esquemas que visam fazer reduções
equivalentes desse gás na atmosfera.

Mercantilização

A mercantilização é a transformação de bens, serviços, ideias e, até, pessoas em objectos comerciais (de compra e venda) chamados “mercadorias”. Muitas das actuais falsas soluções baseiam-se
na mercantilização de bens comuns como a água, as florestas e o ar.

Extrativismo

O extrativismo é um modo de produção e de pensar na Mãe Terra não como um organismo vivo, mas como um mero recurso (ainda que valioso) a ser dominado e explorado para fazer lucro. A sua história é marcada por graves violações dos direitos humanos das comunidades locais e dos países no seu todo. É a principal causa de degradação dos ecossistemas e, mais genericamente, da natureza, que são considerados aspectos menos importantes face ao valor que podem gerar para o capital privado (e público) no mercado.

Falsas soluções

As falsas soluções são programas e políticas promovidas pelas corporações, os agronegócios e os governos como soluções para as mudanças climáticas. No entanto, essas soluções servem-se
das mesmas práticas e lógica capitalistas que as que provocaram, desde logo, as mudanças climáticas — entre elas, a mercantilização, o extrativismo, os OGM e a agricultura que produz emissões significativas de gases com efeito de estufa. Essas soluções promovidas pelas elites corporativos baseiam-se no mercado, no comércio e, consequentemente, na exploração.

Soberania alimentar

A soberania alimentar é um conceito
de sistema alimentar que respeita os direitos do(a)s produtore(a)s alimentares a produzir e comercializar alimentos
culturalmente apropriados, bem como o direito dos consumidores de decidir sobre os produtos que consomem, como e por quem são produzidos. Rejeitando a influência das empresas que procuram lucrar com a produção alimentar, a soberania alimentar visa uma mudança sistémica, que os seres humanos possam controlar directa e democraticamente os elementos mais importantes da sua sociedade — como nos alimentamos e nutrimos, como utilizamos e mantemos a terra, a água e
outros recursos naturais ao nosso redor para bem das gerações actuais e futuras e como interagimos com outros grupos, povos e culturas.

Organismos Geneticamente Modificados

Os Organismos Geneticamente Modificados (OGM) são organismos cujo material genético foi alterado para lhes dar um traço desejado. Na agricultura, essa técnica é essencialmente utilizada para tornar as plantas resistentes aos pesticidas e herbicidas. As leis de propriedade intelectual internacionais permitem que as empresas detenham o material genético da planta como propriedade intelectual e controlem o fornecimento dessa semente.

Efeito de estufa

Os gases com efeito de estufa (GEE) (ou emissões) são o principal motor
das mudanças climáticas. São emitidos para a atmosfera através da carburação de combustíveis fósseis na indústria e nos transportes, bem como da degradação e alteração do uso dos solos, que fazem com que a atmosfera retenha mais calor e altere o clima.

PIAC

O Painel Intergovernamental sobre as
Alterações Climáticas (PIAC) é um organismo das Nações Unidas que avalia
a ciência climática, nomeadamente, as opções de mitigação dos danos e adaptação a um mundo em mudança. A sua missão é fazer uma avaliação abrangente, objectiva, aberta e transparente da informação científica, técnica e socioeconómica relevante para compreender os fundamentos científicos do risco das mudanças climáticas induzidas pelo homem, os seus potenciais impactos e as opções de mitigação e adptação.

Contribuições Nacionalmente Determinadas (CND)

As Contribuições Nacionalmente Determinadas (CND) estão no cerne do Acordo de Paris. As CND encarnam os
esforços de cada país para reduzir as emissões nacionais e adaptar-se aos impactos das mudanças climáticas. O
Acordo de Paris exige que cada Parte se prepare, comunique e mantenha sucessivas contribuições nacionalmente determinadas (CND) que tenciona cumprir.
As Partes deverão cumprir medidas de mitigação nacionais visando alcançar os objectivos dessas contribuições. Até à
data, apenas 40 % dos signatários submeteram os seus compromissos SND e,por ora, se cumpridos, na melhor das hipóteses, conseguirão reduzir 0,5 % das emissões de GEE em 2030, abaixo do nível de 2010 — bem inferior aos 45 %
de redução necessários para manter o aumento da temperatura média abaixo
do limiar de 1,5 °C fixado pelo PIAC.

Acordo de Paris

O Acordo de Paris é um tratado interna-
cional juridicamente vinculativo sobre
as mudanças climáticas. Foi adoptado
por 196 Partes, na COP 21, em Paris, a 12
de Dezembro de 2015.

Patriarcado

O patriarcado é um sistema que oprime, explora e mercantiliza as mulheres (os seus corpos, vidas e sexualidade) e o seu trabalho (formal e informal, excesso de trabalho, bem como tipo de trabalho e condições de trabalho), privando-as do acesso a bens comuns (recursos, água, terra, protecção ambiental e soberania alimentar). Além disso, o patriarcado está enraizado em muitas tradições e normas frequentemente utilizadas para preservar essa hierarquia e esse poder.

Agroecologia camponesa

A Agroecologia camponesa é uma forma de vida que trata a Terra com respeito e cuidado e não como um recurso a explorar. Compreende que a relação íntima entre os seres humanos e as suas ecologias locais não pode reduzir-se a um valor monetário, porque as consequências seriam desastrosas para as pessoas e o planeta.

A sua cultura baseia-se na troca de sementes e conhecimentos, na plantação de diferentes variedades de colheitas e na reciclagem de nutrientes para manter a saúde e a vitalidade do solo.

Empresas transnacionais

As empresas são organizações que vi-
sam maximizar os lucros monetários (ou
afins), em geral, pela venda de produ-
tos, sem medir as consequências sobre
a natureza e as pessoas. No contexto
deste manual, referimo-nos sobretudo às
sociedades transnacionais (STN).

CQNUAC

Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas. O objectivo máximo da Convenção é estabilizar as concentrações de gases com efeito de estufa “a um nível que previna uma interferência perigosa induzida pelo homem (antropogénica) no sistema climático”. Declara que “um tal nível deve ser alcançado num espaço de tempo que permita que os ecossistemas se adaptem naturalmente às mudanças climáticas de modo a salvaguardar a produção alimentar e a permitir um desenvolvimento sustentável da economia”. A ideia é que, uma vez que são a fonte da maioria das emissões de gás com efeito
de estufa passadas e presentes, espera-se que sejam os países industrializados quem mais cortes faça nas suas emissões nacionais. Os chamados países do Anexo I incluem 12 “economias em
transição” da Europa Central e Oriental.

AGROECOLOGIA CAMPONESA

Harmonia com a natureza

Observação e compreensão da relação e das interacções dos or-
ganismos entre si e com o ambiente.

ecologia e biodiversidade locais

Intercalar cultivos com uma variedade de espécies de diferentes
características. Diferentes sistemas de raiz a fixar a estrutura do
solo e a protegê-lo contra a erosão. Conservação da água.

Diversidade

Protege a biodiversidade e a resiliência dos ecossistemas. Agri-
cultura de subsistência, elevada disponibilidade nutricional,
soberania alimentar.

Produção para a comunidade loca

Pequena e média escala.

cuidar do solo

Fertilizantes orgânicos. Infunde o solo de vida com nutrientes de-
rivantes de produtos associados da exploração agrícola. Controlo
de pragas indígena: preserva a vida do solo, conservando-o para
as gerações futuras.

Soberania das sementes

Direitos do(a)s camponese(a)s sobre as sementes.
Troca e conservação das sementes.

insumos de baixo custo

Reciclagem de nutrientes na própria exploração. Independência
em relação a produtos corporativos. Eficiência energética.
Trabalho intensivo que exige um contacto próximo com a terra.

Mercados locais

Produção de alimentos culturalmente apropriados dependente de
sólidas redes de mercados locais. Encurta-se a distância entre produtores e consumidores, reduzindo-se a quilometragem dos alimentos.

AGRICULTURA INDUSTRIAL

domínio da natureza

Exploração intensiva dos recursos naturais para lucro das empresas.

Monoculturas

Intensificação e concentração de uma só cultura. Alto risco de
surtos de pragas. Erosão dos solos. Requer irrigação intensiva

uniformidade

Perda da agro-biodiversidade e destruição dos ecossistemas.
Agricultura orientada para a exportação. Disponibilidade nutricional reduzida e risco elevado de subnutrição.

cadeias de abastecimento globalizadaS

Grande escala.

Exploração dos solos

Utilização de fertilizantes químicos que destroem a capacidade do
solo para reter os nutrientes. Utilização de pesticidas tóxicos que
também matam os microorganismos e insectos benéficos. Tanto uns
como outros são nocivos para a saúde humana. Risco elevado de
inundações, erosão dos solos e deslizamento de terras. Os solos são
degradados e comprometidos para as gerações futuras.

dePendência das Sementes

As sementes são detidas pelo grande agronegócio, e há leis que
criminalizam as práticas camponesas.

Insumos com custos elevados

As empresas só pretendem gerar lucros. Processos de elevado
consumo energético altamente dependentes de combustíveis
fósseis. Leva à deslocação do(a)s camponese(a)s.

Mercados internacionais

Produção de bens alimentares para comercialização nos merca-
dos internacionais. Cadeias de distribuição de longa distância
(emissões de GEE elevadas).

PORQUE PRECISAMOS
DE JUSTIÇA CLIMÁTICA?

Estamos longe de resolver a crise climática. Ainda não se abordou a questão fundamental e causa das mudanças climáticas, que é o nosso sistema socioeconómico.

Na taxa actual de emissões globais, o mais provável será excedermos 1,5 graus do orçamento de carbono antes de 2025. Segundo nos diz a ciência, simplesmente não temos espaço para mais carbono na atmosfera; portanto, temos de exigir que os países ricos parem de se esquivar às suas responsabilidades históricas e ajudem a cortar drasticamente as emissões na sua fonte já. Os actuais compromissos assumidos pelas Partes sob o Acordo de Paris já nos encaminham para uns desastrosos 3-5 graus de aquecimento.

o siStema
alimentar industrial
é um dos grandes
motores das
mudanças climáticas

É dominado pelas elites corporativas que, através de um grupo de sociedades, procuram controlar terras, sementes e o sistema alimentar inteiro.

Geram lucros astronómicos privando o(a)s camponese(a)s das suas terras
e aplicando um modelo de agricultura de elevado consumo energético que destrói as florestas. Utilizam o
seu poder para influenciar políticas a nível nacional e mundial, incluindo políticas supostamente pensadas para
abordar as mudanças climáticas, mas que, na verdade, resultam em falsas soluções que não tratam das causas na raiz das mudanças climáticas.

O SISTEMA ALIMENTAR INDUSTRIAL

sistema alimentar industrial é uma tentativa de uma pequena elite de dominar a vida na Terra através do lucro e do poder. Para isso, ignora as inundações, as secas, os solos sem vida, os milhares de milhão de pessoas famintas e os mais que muitos sinais de rotura dos sistemas naturais que nos sustentam. Esforça-se por esconder os danos que causa e força os
mais vulneráveis a carregar o fardo.O actual regime/sistema alimentar destrói a vida no solo, as florestas, os prados, os oceanos, rios e lagos; gera e acelera as mudanças climáticas, além de condenar as populações rurais a uma vida de servidão. É um modelo de morte, opressão e violência
It is a model of death, oppression and violence.

A mercantilização da terra e dos territórios, bem como a sua exploração pelo investimento especulativo e a usurpação de terras, também restringem o acesso dos jovens à terra, sobretudo, das jovens. Ao mesmo tempo, as duras realidades e a fraca rentabilidade agrícola tornam difícil para os jovens viver da terra e prosperar. Os impactos severos e diferenciados das mudanças climáticas só vêm agravar a situação.

As mulheres estão
Sistematicamente
em desvantaGem no
actual sistema que
insiSte em mantê-las
inviSíveis.

AS MULHERES E AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS

Tendo em conta os efeitos nocivos do sistema alimentar industrial que exacerbam as mudanças climáticas, a situação das mulheres adultas e jovens torna-se ainda mais vulnerável com uma acentuação do patriarcado que dita os papéis que elas têm de assumir ou os processos em que não devem participar. Ser responsáveis pelo grosso das tarefas domésticas, que vão desde recolher a água para uso doméstico e o combustível para cozinhar, até garantir o bem-estar das crianças e dos idosos, os papéis socialmente atribuídos em função do género dependem muito das condições que a natureza proporciona. As mudanças climáticas alteram os padrões das chuvas e, em resultado, os recursos hídricos tornam-se mais escassos e distantes, o que faz
com que as culturas requeiram uma gestão mais trabalhosa para crescer. Forçam as mulheres (e crianças) a percorrer distâncias maiores a pé em busca de água e recursos suficientes para os seus lares, reduzindo o rendimento das colheitas ao longo do ano, sobretudo porque já não se pode contar com as estações do ano tradicionais.

As mulheres sofrem violências estruturais (económicas, laborais,ambientais, físicas, sexuais e psicológicas) o que contribuiu para o aumento consistente dos feminicídios.

Indissociáveis, o neoliberalismo e o patriarcado intensificaram a opressão e a discriminação das mulheres, não só aumentando as taxas de violência contra adultas e jovens nas zonas rurais, como também gerando mais insegurança e instabilidade nas condições laborais das mulheres em ambientes de violência que as ferem na [sua] dignidade.

A migração de familiares masculinos para os centros urbanos ou o estrangeiro em busca de melhores condições de vida, a juntar à morte, detenção e perseguição dos líderes da comunidade do sexo masculino, confrontam as mulheres rurais com uma realidade que as torna ainda mais vulneráveis Ficam sobrecarregadas com as tarefas de providenciar alimentos para a sobrevivência da sua família e proteger os filhos cada vez mais expostos à violência sexual, à morte e ao desterro além de defender os seus territórios e corpos contra forças abusivas

AE CAMPONESA E A LUTA CONTRA O PATRIARCADO

sistema capitalista patriarcal tem vindo a aplicar a agricultura industrial cuja opressão incide sobretudo sobre as mulheres. No contexto africano, regra geral, as mulheres não têm assegurado o acesso à terra e, consequentemente, aos recursos e à autonomia dos seus corpos e meios de subsistência. Apesar de serem a principal fonte de mão-de-obra e valor acrescido na produção e no consumo alimentar, as mulheres são impedidas de participar nos processos de tomada de decisão,desde as políticas públicas, até às finanças domésticas, e são as mais afetadas pela subnutrição. São geralmente os homens que detêm o poder de tomar decisões nos agregados familiares, desde que culturas plantar, vender e armazenar, até que utilização dar ao rendimento gerado. Além disso, a agricultura industrializada e os mercados globalizados também são codependentes, o que exacerba ainda mais os problemas do patriarcado, as desigualdades com base no género e a violência.

Contrariamente à agricultura industrializada, a Agro-ecologia camponesa é inclusiva e está disponível para todos. Constituindo uma larga maioria na produção alimentar, as mulheres desempenham um papel particularmente importante no sistema alimentar global como guardiãs da biodiversidade e das sementes agrícolas..

O patriarcado também prejudica a juventude. Na África subsariana, por exemplo, os jovens veem-se condenados a migrações forçadas pela guerra, as mudanças climáticas e condições socioeconómicos opressivas. A usurpação de terras pelos capitais transnacionais para investimentos industriais,produção energética, extrativismo e “desenvolvimento” é comum. A mão de obra jovem e migrante é subestimada e brutalmente explorada.

A Agro-ecologia camponesa é o caminho para a soberania alimentar e a solução para a crise global multifacetada. É uma visão política, um modo de vida e uma fonte de conhecimento que vem dos nossos antepassados.

Embora não possa vencer o patriarcado em si, a Agro-ecologia camponesa pode, sim, abordar algumas das suas normas opressivas. Tem o potencial para mudar as vidas de muitas mulheres,porque o papel fundamental que elas desempenham é reconhecido e refletido na prática. Os processos de tomada de decisões estão, aos poucos, a alargar-se para incluir transversalmente as mulheres em diferentes movimentos e organizações, entre as quais, decisões tomadas em estruturas organizacionais (como as de LVC e das organizações-membro).

 

Outros aspectos do patriarcado também estão a ser, em certa medida, aliviados. Os custos reduzidos da prática da Agroecologia camponesa permitem que as mulheres participem e beneficiem mais plenamente dos retornos superiores e das culturas mais diversificadas. Ao plantarem uma diversidade de culturas, desenvolverem ecossistemas resilientes e partilharem conhecimentos, as mulheres podem tomar o controlo sobre os seus sistemas alimentares e
proporcionar alimentos mais nutritivos para si próprias e para os seus agregados familiares. A redução da dependência das mulheres nos homens que a Agroecologia camponesa proporciona tem o potencial para alterar a dinâmica do poder, com as mulheres a tomar a medida de responsabilidades e poder que equivale ao peso do seu papel fundamental. Enquanto a agricultura industrial foi incapaz de responder aos crescentes desafios impostos às mulheres e de dinâmica de género, a Agroecologia camponesa, pelo contrário,demonstra-se capaz de o fazer

Mais uma vez, a Agroecologia camponesa não se resume a um conjunto de práticas: é um modo de vida que procura ser inclusivo e que não atribui a autoridade aos homens só por serem homens. As mudanças climáticas reflectem uma crise política, social e ecológica que só tende a piorar se as vozes do(a)s produtore(a)s camponese(a)s (e dos consumidores) — especialmente, das mulheres — continuarem a ser silenciadas ou ignoradas. É por isso que para lutar pela justiça climática é preciso confrontar as relações de poder com base no género.

Apesar disso, ainda persistem importantes expressões do patriarcado, sobretudo, papéis e poder de tomada de decisão no agregado familiar atribuídos com base no género, que, em muitas zonas, permanecem firmemente arreigados. Muitas vezes, é uma situação que depende do contexto cultural (ao nível comunitário e ao nível do agregado familiar) em que a Agroecologia camponesa é praticada e a medida em que as comunidades e abordagens adoptam as questões de género como elemento central das suas visões estratégias e metodologias de trabalho.

A fim de erradicar o patriarcado e a discriminação onde quer que ela exista, também os jovens devem empenhar-se no difícil trabalho de auto-avaliação e examinar as formas como podem perpetuar o patriarcado e o racismo.

Isto continua a ser um obstáculo à Agroecologia Camponesa como instrumento para desafiar e superar o patriarcado

FALSAS SOLUÇÕES PARA AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS

As actuais ditas soluções que as elites corporativas promovem
para resolver o problema das mudanças climáticas são em si, muitas vezes, formas de invadir os direitos das pessoas. As suas respostas para a crise climática ainda mantêm um forte eco dos erros passados da Revolução Verde, entre eles:

  • Agricultura Climaticamente Inteligente (ACI)
  • Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL)
  • Redução de Emissões da Desflorestação e Da Degradação Florestal (REDD/REDD+)
  • Mercados do Carbono
  • Estratégias Net-zero
  • Economias Verde e Azul
  • Bioenergia com captura e armazenamento de carbono (BECCS)
  • Geo-engenharia

As falsas soluções como a Agricultura Climaticamente Inteligente utilizam expressões retiradas da Agroecologia camponesa, mas no contexto de um modelo de agricultura industrial, incluindo práticas como a monocultura de plantio directo e conservação de água. Apesar de adoptarem alguma da linguagem da Agroecologia camponesa, essas propostas de modo algum abordam as questões fundamentais do direito aos alimentos ricos em nutrientes locais, a meios de subsistência dignos, à terra e à autodeterminação. Além disso, a Agricultura Climaticamente Inteligente proporciona o enquadramento indicado para a integração dos OGM e agro-tóxicos na agricultura de pequena escala, baseando-se no mesmo pressuposto de que é possível resolver problemas sociais e políticos complexos provendo A JUSTIÇA CLIMÁTICA NÃO VIRÁ DE CIMA, MAS TERÁ DE SER CONSTRUÍDA DE BAIXO viacampesina.org 06 viacampesinaseaf.org o(a)s camponese(a)s “subdesenvolvidos” e supostamente “sem educação” das soluções ditas técnicas da Revolução Verde. Dessa forma, preserva-se a fortuna de quem beneficia com essas soluções, nomeadamente, as grandes empresas do agronegócio.

chamam-lHe
“climaticamente
inteligente”,
mas é inteligente
para quem?

Nessas mesmas linhas, o Acordo de Paris endossou várias falsas soluções que preservam a estrutura do mercado tal como ela está e criam vários esquemas e mecanismos financeiros (MDL e outros). Mais recentemente, as estratégias Net-zero foram promovidas como um novo olhar sobre a forma como os países abordam a sua dívida climática. Na verdade, os governos e as sociedades transnacionais estão a servir-se da Net-zero para esconder a sua inacção climática, afirmando que só precisam de pagar a outros para removerem o carbono, através de compensações de carbono, em vez de porem mãos à obra. Este relatório explica a ciência por detrás das declarações “Net-zero” e como elas são utilizadas para esconder a inacção climática.

São muitas e perigosas as distracções que os detentores do poder utilizam. Os tratados não vinculativos que desresponsabilizam os principais sectores económicos uma forma conveniente de não abordar as causas na raiz das mudanças climáticas, nomeadamente, a elite empresarial e o sistema económico actual. Ambas as partes afirmam que as suas falsas soluções podem travar o aumento das emissões de gases com efeitos de estufa, quando, em bom rigor, esses mecanismos não oferecem soluções reais para os problemas em mãos — muito pelo contrário, aceleram a mercantilização da natureza enquanto promovem as falsas premissas de que a privatização e as tecnologias da agricultura industrial são os únicos meios que podem combater as mudanças climáticas e alimentar as pessoas.

A JUSTIÇA CLIMÁTICA NÃO VIRÁ DE CIMA,MAS TERÁ DE SER CONSTRUÍDA DE BAIXO

Para se alcançar Justiça Climática é preciso, em boa parte, abordar as desigualdades no sistema alimentar. A Agroecologia camponesa baseia-se na solidariedade para com e entre as comunidades afectadas cujas vozes os detentores do poder silenciaram na luta contra as mudanças climáticas e com as mulheres, guardiãs ancestrais da Semente, que alimentam as suas comunidades e cuidam da nova geração, enquanto os homens tendem a perseguir empreendimentos lucrativos. Estas camponesas e
estes camponese(a)s estão na linha da frente da crise climática a desenvolver diariamente soluções.

Precisamos de uma transformação do sistema alimentar, onde o poder, os recursos e a responsabilidade são redistribuídos das elites para os produtores e consumidores, que são quem contribui mais significativamente para resolver a crise climática.

PORQUÊ A AGROECOLOGIA CAMPONESA?

A AE camponesa

ALIMENTA AS PESSOAS

É envolvendo-se nesse modo de vida e partilhando conhecimento e experiência com outro(a)s agricultore(a)s camponese(a)s, que se criam novos conhecimentos para cultivar alimentos num clima em mudança e que se
desenvolve a Agroecologia camponesa. Os alimentos têm de ser produzidos para alimentar as pessoas e não para gerar lucro.

O(a)s camponese(a)s têm de fazer agricultura de modo a gerar um ciclo saudável de nutrientes nas suas explorações e não um ciclo de dependência.

A AE camponesa

Conservar a biodiversidade

Conservar a biodiversidade é cuidar do solo; em vez de destruir a ecologia local para criar grandes plantações comerciais, o(a)s agricultore(a)s camponese(a)s preservam as ervas e as árvores que retêm água.

A AE camponesa

Baseia-se na ciência

A abordagem agroecológica baseia-se na ciência e proporciona uma plataforma única para o desenvolvimento e
a integração de tecnologias benéficas.
Essas tecnologias contribuem para a soberania do(a)s camponese(a)s sobre a sua produção, os seus territórios, a sua cultura e as suas vidas. Se puderem contribuir para a justiça climática,também poderão contribuir para o modo de vida camponês, mas esse
modo de vida opõe-se a qualquer tipo de tecnologia utilizada pelas elites corporativas para controlar os sistemas alimentares e esmagar ou destruir os direitos do(a)s produtore(a)s e consumidores alimentares — tudo com vista a aumentar os lucros.

A AE camponesa

DESENVOLVE COMUNIDADES

A Agroecologia camponesa — e o conhecimento que lhe subjaz — é um sistema que implica tanto uma colaboração próxima com a comunidade como uma intensa ligação com a terra e a ecologia local. Apesar de já estar a produzir
resultados na luta contra as mudanças climáticas, cada progresso feito enfrenta a resistência do sistema actual que exige lucro à produção alimentar.

A AE camponesa

DESENVOLVE AUTONOMIA

Os agronegócios corporativos têm poder para convencer os governos e as comunidades camponesas a investir nos seus produtos, que são fertilizantes, pesticidas, sementes melhoradas e afins

Vendem-nos como se fossem a solução para obter aumentar a quantidade e a qualidade dos seus cultivos. No entanto, são soluções falsas que geram dependência no agronegócio e eliminam progressivamente o conhecimento tradicional e local para gerar lucro às empresas e tornar o(a)s camponese(a)s mais vulneráveis.

Muitas vezes respaldados pelos governos, esses programas corporativos incentivam os produtores a endividar-se para acederem aos seus produtos. Ora, para começar, esses produtos degradam os sistemas de produção e, quando as estações não se comportam como se espera (devido às alterações climáticas, à degradação dos solos e a outros factores), o(a)s camponese(a)s obtêm colheitas ruinosas e acabam com dívidas que não podem liquidar.

Isso compromete muito a capacidade do(a)s produtore(a)s camponese(a)s para utilizar práticas que infundem o sistema de vida e arrefecem a Terra.

A Agroecologia camponesa é uma ferramenta valiosa capaz de quebrar estes ciclos de dependência, ao restaurar os solos degradados, proteger e melhorar a soberania alimentar (incluindo a soberania das sementes) das comunidades camponesas e garantir o acesso a territórios necessários para a produção alimentar e a vida comunitária em geral.

A AE camponesa

É RESISTÊNCIA

Parte do sistema alimentar do mercado global, as grandes empresas do agronegócio geram a procura para os seus fertilizantes e fazem-no de forma que o(a)s camponese(a)s tenham de pagar para continuarem a praticar agricultura.

A utilização dos pesticidas e fertilizantes químicos danifica o solo e obrigao(a)s agricultore(a)s a comprar mais químicos às empresas do agronegócio. O poder tem de ser restituído ao(a)s camponese(a)s que executam o trabalho e têm os conhecimentos necessários para alimentar o mundo. Assentes na premissa do crescimento económico constante sem olhar a consequências, as soluções do agronegócio não podem resolver o problema.

As práticas agrícolas da Revolução Verde forçam os produtores a contrair dívidas astronómicas e a produzir alimentos para exportação de uma forma nociva para o ambiente. A praticarem a Agroecologia, as organizações de base contestam esse extrativismo e lutam pela justiça climática.

EMPODERA A JUVENTUDE

A juventude representa a ponte entre as populações urbanas e rurais. Apesar de aparentemente muito diferentes, ambos os grupos enfrentam alguns dos mesmos tipos de discriminação estruturais exercidos pelas mesmas forças opressivas do poder e do capital globais. Jovens do mundo inteiro já começam a mobilizar-se em torno da agricultura urbana, a regressar à terra,a construir a desenvolver soberania alimentar comunitária ou a trabalhar pela justiça social seja a que título for.

A Agroecologia tornou-se um instrumento fundamental para reunir uma vasta gama de experiências bem sucedidas de todo o mundo. Por exemplo, a metodologia campesino-to-campesino (camponês-para-camponês) é um instrumento de êxito importante para partilhar informação e fortalecer os processos de comunicação e formação. Essa metodologia respeita os conhecimentos tradicionais dos territórios e das populações de forma a partilhá-los eficazmente e passado de geração em geração.

A AE CAMPONESA ALCANÇA A JUSTIÇA CLIMÁTICA

Camponese(a)s do mundo inteiro combatem as mudanças climáticas e o sistema que as provoca controlando os seus sistemas alimentares. O movimento pela Agroecologia camponesa e a soberania alimentar confronta directamente o poder construído em torno do controlo empresarial sobre recursos como as sementes, os fertilizantes, a terra e a água. As pessoas, e
não as transnacionais, é que deveriam estar no centro do sistema alimentar.
Elas conhecem a terra, inovam e partilham os seus conhecimentos umas com as outras. São o(a)s camponese(a)s que podem alimentar o mundo e arrefecer o clima e são os consumidores que merecem alimentos saudáveis, nutritivos e culturalmente apropriados. Ao desenvolver uma cultura em torno da alimentação que reconhece a importância do respeito por todas as pessoas e
o planeta, a Agroecologia camponesa constitui o primeiro e mais importante passo rumo à justiça climática.

istema que os compele a piorar a crise climática e que os priva das ferramentas para a enfrentar.
O(a)s camponese(a)s que praticam a Agroecologia têm maior capacidade de resistência e recuperação em contextos de eventos climáticos extremos como secas e inundações. Ao aplicarem conhecimentos indígenas, utilizarem sementes tradicionais e plantarem diferentes variedades de culturas, asseguram para si próprios e as suas famílias uma alimentação saudável e variada. Ao plantarem uma variedade de culturas, incluindo pequenos cereais que podem ficar armazenados durante anos, como o sorgo e o milheto, são mais resilientes a futuras secas.

Ao utilizarem estrume que pode ser extraído e processado na machamba, o(a)s agricultore(a)s camponese(a)
s conservam e reciclam os nutrientes. Mas não é tudo. Ao optarem por produzir a nível local, em vez de para os mercados globais, utilizam muito menos energia,emitem menos gases com efeito de estufa (no transporte e no embalamento dos alimentos para os supermercados),sendo, por isso, essenciais na luta contra as mudanças climáticas.

A Agroecologia camponesa é um modelo de vida. Um modelo de vida que reconhece que a Terra é a nossa mãe, construído colectivamente por pessoas e comunidades que ainda compreendem a linguagem da natureza e são
capazes de viver em harmonia com ela. Desenvolve e fortalece os ecossistemas que fornecem alimentos saudáveis,retêm o carbono e estimulam a biodiversidade. Liberta as populações rurais que se vêem forçadas a mudar os seus modos de vida and e a destruir o meio ambiente. Na Agroecologia camponesa, a terra é sagrada. A ligação das pessoas à terra é sagrada. As sementes, o solo, a água e o ar não são recursos a ser vendidos por lucro, mas fontes de vida na terra.

O sistema alimentar só poderá reduzir as emissões e enfrentar as actuais mudanças climáticas se passar por uma transformação total e completa. Para isso, teremos de olhar para essas comunidades camponesas e mulheres rurais nas margens da sociedade, que já vivem a alternativa. Temos de nos voltar para quem já vive em harmonia com a natureza, custe o que custar. Para os que enchem de vida o seu sistema alimentar e as suas comunidades e têm os conhecimentos necessários para alimentar o mundo. Os povos do mundo exigem-no, e a verdadeira justiça climática dá-nos um caminho para o conseguirmos.

APELO À ACÇÃO

Nós, o(a)s camponese(a)s da La Via Campesina Região da África Austral e Oriental e os nossos aliados, manifestamos a nossa solidariedade para com todas as lutas contra as soluções falsas apresentadas como formas de resolver as mudanças climáticas e para com a justiça climática em todo o mundo. Num espírito de solidariedade e esperança com todos os povos da nossa região, mantemo-nos comprometidos na luta pela soberania alimentar, a Agroecologia e o direito aos nossos territórios, culturas e identidades como base para a justiça climática.

Nós, o(a)s camponese(a)s da La Via Campesina Região da África Austral e Oriental e os nossos aliados, manifestamos a nossa solidariedade para com todas as lutas contra as soluções falsas apresentadas como formas de resolver as mudanças climáticas e para com a justiça climática em todo o mundo. Num espírito de solidariedade e esperança com todos os povos da nossa região, mantemo-nos comprometidos na luta pela soberania alimentar, a Agroecologia e o direito aos nossos territórios, culturas e identidades como base para a justiça climática.

Promova a soberania alimentar, que salvaguarda o direito das pessoas a alimentos saudáveis e culturalmente apropriados produzidos através de métodos ecologicamente saudáveis e sustentáveis e o direito de cada povo a definir o seu próprio sistema agrícola e alimentar

A justiça climática, é feminista. Junte-se a organizações e movimentos feministas nas suas acções locais.

Apoie e lute por uma representação significativa de mulheres, raparigas, crianças, jovens, pessoas portadoras de deficiências e os mais pobres nas políticas e outras intervenções que abordem as mudanças climáticas.

Lute pela rejeição das falsas soluções para a justiça climática e a revisão ou anulação dos acordos nocivos que ameaçam as comunidades locais,incluindo as do sector mineiro.

Pressione o seu governo a aumentar as verbas do orçamento nacional para a agricultura orientando-se pelo princípio do consentimento livre, prévio e informado do(a)s produtore(a)s alimentares de pequena escala.

Intervenha para proteger as populações locais nas áreas negativamente afectadas pelas actividades mineiras.

Exija espaços pro-camponese(a)s para a formulação de legislação e políticas participativas que protejam os direitos do(a)s camponese(a)s e as comunidades camponesas.

Trabalhe para desenvolver programas de formação e académicos em agronomia que sejam holísticos e que centralizem os sistemas de conhecimento indígena, a Agroecologia camponesa e vias para melhorar a segurança alimentar com a soberania alimentar.

Contacte o seu membro local da Via Campesina ou adira ao movimento com a sua organização.